Quando a taxa de performance vira a maior inimiga do seu patrimônio

Balança de risco

Existe uma ideia muito sedutora no mundo dos investimentos:

“Se o meu gestor só ganha quando eu ganho, estamos alinhados.”

Ela parece lógica. Quase óbvia. E justamente por isso merece ser analisada com cuidado. Quando você coloca incentivos, matemática e tempo na mesma equação, descobre que essa estrutura pode produzir exatamente o oposto do alinhamento que promete.

Na prática, a taxa de performance costuma gerar dois efeitos silenciosos:

  • muda o comportamento de risco do gestor nos momentos mais delicados

  • captura uma parcela desproporcional do juro composto do investidor ao longo das décadas

A pergunta central é simples e desconfortável:

“A forma como você paga quem cuida do seu dinheiro está ajudando a construir patrimônio ou abrindo, em silêncio, espaço para a sua ruína?”

Antes de entrar nos detalhes do contrato, vale um dado para ancorar a discussão.

Um estudo do National Bureau of Economic Research, analisando 5.917 fundos de hedge ao longo de 22 anos, concluiu que, depois de descontadas taxas fixas e de performance, os investidores ficaram com cerca de 36% do excesso de retorno acima do juro livre de risco. Os outros 64% ficaram com a indústria.

Esse número, sozinho, já deveria acender um alerta.


A promessa da taxa de performance

A taxa de performance vende alinhamento. O contrato, na prática, cria assimetria.

O desenho é quase sempre o mesmo:

  • cobra-se uma taxa anual sobre o patrimônio

  • se o fundo supera um determinado patamar, o gestor recebe uma fatia do ganho

  • se o resultado for ruim, não há bônus

Para reforçar a sensação de justiça, entra a chamada linha d’água, o maior valor histórico já atingido pelo fundo. Se houver queda, o gestor só volta a cobrar performance depois de superar esse nível.

No papel, parece razoável.

O que raramente é explicado ao investidor é que esse tipo de contrato paga muito quando dá certo e pune pouco quando dá errado. Isso altera o incentivo de decisão, não porque o gestor seja mal intencionado, mas porque o contrato recompensa tentativas de “recuperação rápida” quando o fundo está para trás.


O que acontece quando o bônus depende do ano

Essa distorção não é apenas intuitiva. Ela aparece nos dados.

O estudo “Bad Bets: Excessive Risk-Taking, Convex Incentives, and Performance”, conduzido pelo Stanford Institute for Economic Policy Research, analisou milhares de fundos com esse tipo de remuneração.

Quando o fundo está abaixo do nível que destrava a taxa de performance, dois comportamentos aparecem de forma consistente:

  • o risco da carteira aumenta cerca de 50%

  • o retorno médio cai aproximadamente 2,3 pontos percentuais

Em linguagem direta: quando o fundo está atrasado em relação ao bônus, o gestor tende a forçar a mão. Se der certo, ele recupera o direito à performance. Se der errado, o investidor absorve a maior parte do custo.

Outro trabalho clássico, conhecido como “High-Water Marks and Hedge Fund Management Contracts”, reforçado por evidências do NBER, mostra que, ao longo do tempo, essa estrutura captura uma fração relevante da riqueza do investidor, mesmo em cenários de boa performance bruta.

Aqui costuma surgir a primeira objeção.

“Mas um gestor também perde reputação, patrimônio sob gestão e taxa fixa quando o fundo vai mal.”

É verdade. Mas esses custos são difusos e graduais. O bônus, quando vem, é direto, concentrado e imediato. O incentivo marginal ainda aponta para o risco.


Um exemplo simples de viés de decisão

Imagine dois profissionais cuidando do mesmo patrimônio.

O primeiro recebe uma taxa fixa anual pela gestão. O segundo recebe a mesma taxa fixa, mais 20% do que exceder um determinado patamar no ano. Ambos enfrentam um ano ruim.

Quem recebe só taxa fixa tende a perguntar: “O que preserva melhor esse patrimônio para os próximos 10 ou 20 anos?”

Quem tem um bônus atrelado ao ano tende a pensar: “Qual aposta me dá chance de recuperar rápido e destravar o bônus?”

Não é uma questão de caráter. É uma questão de incentivo. O contrato empurra a decisão.


O experimento matemático com Buffett: mesma habilidade, riqueza muito diferente

Nada disso fica tão claro quanto quando você observa o efeito do tempo.

Warren Buffett assumiu o controle da Berkshire Hathaway em meados dos anos 60. Desde então, a empresa entregou um retorno composto próximo de 20% ao ano, contra algo em torno de 10% do índice amplo americano no mesmo período.

O gestor Terry Smith fez um exercício matemático simples com esse histórico.

Se um investidor tivesse aplicado 1.000 dólares diretamente nas ações da Berkshire quando Buffett assumiu, teria terminado 2009 com cerca de 4,3 milhões de dólares. Sem taxa de performance. Sem intermediação. Apenas o efeito do juro composto.

No mesmo estudo, Terry Smith recalculou o resultado supondo que exatamente os mesmos retornos anuais tivessem sido obtidos dentro de um fundo com estrutura tradicional de taxa anual mais 20% de performance.

O valor final para o investidor cairia para algo próximo de 300 mil dólares.
Fonte: Fundsmith – Fund Management Fees: Two and Twenty

Repare no ponto essencial:

  • a performance é idêntica

  • a habilidade do gestor é idêntica

  • o que muda é apenas a forma de remuneração

A taxa de performance não destrói riqueza de uma vez. Ela drena aos poucos.


Risco de ruína: quando o bônus pesa mais que a sobrevivência

Além de corroer o composto, essa estrutura pode amplificar um risco ainda mais grave: o risco de ruína.

Quando a remuneração depende de anos excepcionais, os incentivos favorecem:

  • alavancagem

  • concentração excessiva

  • exposição a riscos de cauda que raramente aparecem nas apresentações

O caso do Long Term Capital Management (LTCM) é um lembrete histórico. O fundo cobrava taxa de administração e 25% de taxa de performance. Depois de alguns anos iniciais impressionantes, em 1998 perdeu cerca de 4,6 bilhões de dólares em poucos meses. O risco sistêmico foi tão grande que o Federal Reserve coordenou um resgate privado de aproximadamente 3,6 bilhões de dólares para conter o contágio.

O ponto aqui não é demonizar a taxa de performance. É reconhecer que ela cria um ambiente onde o investidor pode assumir riscos que não escolheria conscientemente se entendesse toda a dinâmica.


Incentivos moldam decisões

Nenhuma estrutura de remuneração é neutra. Toda forma de pagamento carrega incentivos, e incentivos moldam decisões.

Quando a remuneração depende de anos excepcionais, o viés natural passa a apontar para o curto prazo, para tentativas de recuperação rápida após perdas e, muitas vezes, para a aceitação de riscos que só se revelam em cenários extremos. Não por má intenção, mas porque o contrato empurra a decisão nessa direção.

Quando a remuneração está ligada à continuidade da relação ao longo do tempo, o eixo tende a mudar. O foco deixa de ser o resultado de um único ano e passa a ser a sobrevivência do patrimônio, a redução de erros grandes e a consistência ao longo de ciclos completos.

Isso não elimina riscos. Não garante retornos superiores. Não promete ausência de frustração.

Mas costuma aproximar, ainda que de forma imperfeita, a lógica de quem orienta da lógica de quem investe.


O ponto de reflexão

Antes de escolher o próximo fundo, título ou ação, talvez valha parar e olhar além da promessa de retorno.

  • Quais incentivos estão embutidos na estrutura de quem toma decisões ao seu lado?
  • Eles favorecem escolhas pensadas para atravessar décadas ou resultados concentrados em poucos períodos?

Se essa resposta não for clara, o maior risco pode não estar na volatilidade do mercado, mas na estrutura invisível de incentivos que orienta quem cuida do seu dinheiro.